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quinta-feira, 19 de maio de 2011

MANDIOCA, RESGATANDO TECNOLOGIAS TRADICIONAIS DE CULTIVO DA MANDIOCA, FABRICAÇÃO DE FARINHA, APROVEITAMENTO DO POLVILHO

Mandioca- definição
A mandioca é uma planta originária da América do Sul, provavelmente, do Brasil ou do Peru. Seu nome botânico é “Manihot esculenta Crantz”, da família “euphorbiaceae”. É conhecida, popularmente, como macaxeira, ou, aipim. As raízes são a parte mais valiosa da planta, pois, nelas é que se acumula o amido/fécula, um alimento altamente rico em carboidratos, vitaminas e sais minerais. O amido encerrado na mandioca ralada, é o principal ingrediente, que, “assado” no tacho do forno, se transforma em farinha.
A farinha de mandioca ainda constitui parte importante da alimentação de milhões de brasileiros.
PRINCIPAIS MOMENTOS DO PROCESSO DE FABRICAÇÃO DA FARINHA DE MANDIOCA, CONFORME ERA REALIZADO, PRESUMIVELMENTE, NA ATAFONA DO “CASARÃO E MUSEU FRIEDRICH”, EM NOVO HAMBURGO-RS.
1º MOMENTO:
Evidentemente, o primeiro passo ou momento, é o plantio das mudas ou “manivas”. Estas, se retiram das ramas ou caules do mandiocal do ano anterior. Com uma faca apropriada, cortam-se os caules ou ramas em toletes ou troços, de mais ou menos 15 cm de comprimento, contendo de 8 a 12 “olhos”, dos quais se originam os brotos, para formar a nova planta.
As manivas são plantadas em covas , feitas à enxada, ou em “regos/sulcos” rasgados com arado sulcador, puxado, em geral, por um cavalo ou burro. As covas mantém uma distancia de 1m por 1m. Os regos se fazem a, mais ou menos, 1m um do outro e as manivas são colocadas também a 1m uma da outra, dentro do rego. As manivas são cobertas com terra.
Com este espaçamento, cabem 10.000 plantas por hectare. Considerando-se, uma produção média de 2 kg por planta, teríamos uma produção de 20.000 kg por hectare.
O plantio da mandioca faz-se, geralmente, durante os meses de julho, agosto e setembro, de acordo com o clima.
A cultura da mandioca não tolera a concorrência das ervas daninhas, daí, porque, necessita de uma ou duas capinas até a colheita. Esta, começa no mês de maio, podendo prolongar-se até agosto ou setembro. Se for necessário, pode-se deixar as plantas com as raízes, na terra, por mais um ano. Um mandiocal de dois anos pode produzir, até o dobro da quantidade que seria colhida no primeiro ano. Um mandiocal de dois anos também necessita capinas, porém, evita o trabalho e os custos de um novo plantio.
2º MOMENTO:
Trata da colheita e transporte das raízes até a atafona, ou, fábrica artesanal de farinha. As raízes, são arrancadas, manualmente, que puxando lenta, mas, fortemente, o pé de mandioca pelo caule ou rama, tendo o cuidado de não quebrar as raízes dentro da terra. Em seguida separam-se as raízes das ramas, recolhendo-as em um balaio. Cada balaio cheio, pesa em torno de 40 ou 50 kg. Por esta razão e para acelerar o trabalho de colheita diário, são necessários, pelo menos, dois trabalhadores. Para um só, o trabalho tornar-se-ia muito penoso. Pois,é preciso levantar os 50 kg para cima da carreta. Uma carreta cheia era, em geral, a quantidade possível de ser beneficiada por dia.
A carreta de 4 rodas, carregada com 800 a 1000 kg de raízes devia ser tracionada por uma, ou, até duas juntas de bois, já que a época da “farinhada” é no inverno e os caminhos eram bem rudimentares, ou, nem os havia, das roças até a atafona.
3º MOMENTO:
Como terceiro momento poderia citar-se a descarga da carreta e a transferência das raízes até o ralador ou “cevador”. Em geral, este trabalho era feito, ainda no mesmo dia, para que no dia seguinte se pudesse iniciar o trabalho bem cedo, de madrugada, às 4 ou 5 horas da manhã...
4º MOMENTO:
Este 4º momento pode subdividir-se em dois sub-momentos: “raspar a mandioca“ e “ralar a mandioca”. Funcionava assim:- para “raspar” ou “rapar” as raízes de mandioca eram necessárias, pelo menos, duas pessoas. A primeira tomava a raiz por uma das extremidades raspando, com uma faca, a pele mais fina, cor de terra, da outra metade da raiz. Um vez raspada essa metade, alcançava a raiz para o/a companheiro/a , que, com as mãos limpas, agarrava a metade já raspada e, da mesma forma, limpava a outra metade. Cortava, também, a parte dura do começo da raiz, por ser muito fibrosa.
Em seguida, as raízes eram lavadas e passadas pelo ralador, cujo nome distintivo é “cevador”. As raízes raladas se convertem numa massa , que cai numa caixa coletora situada debaixo do cevador. Em geral, a caixa possui 4 rodinhas para movê-la para fora, tal qual um carrinho, ou “trolley”
O trabalho de ralar ou cevar a mandioca é, sem dúvida, o que exige, ou, exigia maior intensidade de força.
O Sr. Georg Michael Renck ao construir a casa e a atafona não pensava utilizar trabalho humano, nem de brancos nem de escravos, para tocar o engenho ralador/cevador. Como aquí no plano, não existe a facilidade para instalar uma roda d´água, optou-se pela tração animal. Portanto, a roda mestra era acionada por um ou dois bois, devidamente atrelados/encangados e “antolhados”, com tapa olhos. Estes andavam em círculo, girando a roda ou engrenagem mestra, que, a través do “mastro” transferia a força para o equipamento do cevador
O cevador consta de uma roda de mais ou menos 1m de diâmetro, coberta de serrinhas transversais. Em uma das extremidades do seu eixo existe uma engrenagem de ferro, de pequeno diâmetro, que, ao ser acionada por outra engrenagem maior imprime no cevador a velocidade requerida para ralar rápida e eficazmente as raízes introduzidas pela boca do ralador/cevador.
5º MOMENTO:
A massa de mandioca ralada é transferida, com baldes, ao “caixão da massa”. No caso da atafona do Casarão e Museu Friedrich, trata-se de um “cocho”, cavado num tronco de madeira de lei, de aproximadamente 1m de diâmetro por 4m de comprimento. Deixava-se a massa escorrer o excesso de água, através de orifícios do fundo do cocho, durante uma ou duas horas. Essa água era recolhida em outros recipientes (em geral cochos confeccionados de tábuas, denominados “cochos de polvilho” já que a água da massa carrega muito amido/fécula/polvilho. Este vai se depositando, por decantação, no fundo. O excesso de água se perde, pois, não pode ser utilizada, a não ser para colocá-la em formigueiros, com o propósito de matá-los. Seu teor de ácido cianídrico é muito alto e venenoso para humanos e animais.
NOTA:- Ao final deste documento, retornarei sobre o processamento do polvilho.
6º MOMENTO:
Uma vez decantada e já bem mais desidratada, a massa é levada para a “prensa.” A prensa é construída com madeira de lei (angico), com o formato de uma letra “h”, porém, com duas travessas horizontais. Na de cima existe um robusto parafuso de ferro que se aciona mediante um sistema de catraca e alavanca. Demanda muita força, na medida em que vai prensando a massa.
A massa de mandioca é trazida e colocada na prensa, em camadas, envoltas ou intermediadas por “esteiras.” Estas eram confeccionadas, artesanalmente, com as tiras de fibra, retiradas da “barriga” das palhas de coqueiro jerivá. Normalmente, se depositavam 4 a 5 camadas de massa por prensada.
A prensagem tem que deixar a massa desidratada, ao ponto em que se desmanche ao pressioná-la com as mãos.

7º momento:
Tendo em vista que a massa prensada sai da prensa em forma de tijolos, ou, de pães, é necessário esfarelá-la. para isto utiliza-se um “moinho esfarelador,” colocado sobre o próprio “caixão da massa” e acionado manualmente.

8º momento
O processo de transformar a mandioca em farinha, está chegando ao fim. É chegado o momento de colocar a massa bem esfarelada, no forno, ou seja, no “tacho” quente, a uma temperatura de mais ou menos 450 graus centígrados.
Para melhor entendimento, montou-se uma maquete de forno, em tamanho natural. Basicamente, constitui-se de um tacho de ferro em forma de semi-cilindro, aquecido à lenha. A massa deve ser colocada no tacho, sempre na mesma quantidade, de acordo com o tamanho do tacho e a intensidade do fogo/calor, o que é feito com a ajuda de uma “medida”, especialmente fabricada com esse fim.
Evidentemente, a massa não pode ser despejada na chapa quente, sem mexê-la, constante e ininterruptamente. Para isto existe um mexedor ou revolvedor. Nessa atafona, de nossa referência, o mexedor é feito de pás com “vassoura de piaçava” na extremidade, que varrem o fundo do tacho. As pás ou paletas movem-se em forma helicoidal, em torno de um eixo horizontal.
O eixo do mexedor era acionado por um sistema engenhoso de rodas com engrenagens, movido por uma roda/pinhão de mais ou menos 2,5m de diâmetro, acionada por um burro. O uso de burro, em vez de bois, tem sua razão. O burro, uma vez com os “antolhos” ou tapa olhos colocados, acostuma-se e é do seu temperamento, iniciar a caminhada e mantê-la constante e regular por longo espaço de tempo, evitando que o mexedor pare, ou, mude de ritmo. Isto evita que a massa ou a farinha se “torre” ou “queime,” ficando pegada no fundo do tacho. Além de se perder uma tachada de farinha, se os grânulos queimados/pretos, não forem completamente retirados e o tacho, novamente habilitado, limpo e liso, para receber nova carga de massa, esses grânulos pretos poderão “contaminar” as porções, ou, fornadas subseqüentes. Isto implicaria em desvalorização do produto para a comercialização. A farinha tem que ser totalmente branca, ou, “tostada”, se assim for o requisito estabelecido pelo comprador.
OBSERVAÇÃO ADICIONAL:- De acordo com o Sr. Ernesto Biehl, ex-funcionário da Secretaria da Agricultura do RS e um estudioso da cultura da mandioca e da produção de farinha de mandioca, esta é superior à farinha de trigo, em valor nutritivo. Ele explicava, também, que a mistura de farinha de mandioca com a de trigo, intentada no passado, não foi bem sucedida devido à não observância do tempo de fermentação, que é diferente para os dois tipos de amido. É preciso fermentá-las em separado. O Sr. Biehl dizia, também, que, a farinha de mandioca, feita corretamente, se assemelhava ao pão, ou, melhor dito, já era o próprio pão.
A massa, ao ser depositada no tacho do forno, na temperatura Ideal, o grão de amido da mandioca é ”escaldado” e “assado”, pronto para comer... igual ao pão.
A pós escaldada, cozida, assada, ou, tostada, como se queira, a farinha é conduzida pelas próprias paletas ou pazinhas, para uma caixa coletora de onde depois de fria, é retirada e ensacada em sacos de algodão alvejado. Cada saco deve pesar 50,5 kg, de acordo com a norma usual.
No caso não comercializar a farinha, de imediato, como acontecia na maioria dos casos, a mesma era depositada na “tulha.” Esta consta de uma peça de madeira, totalmente fechada e forrada, para evitar a entrada de ratos e outros animais, além da poluição externa.
Este processo assim descrito, se perpetuou, desde o início da produção de farinha, pelo Sr. Georg Michael Renck, o ilustre construtor da casa e da atafona, até o ano de 1918, quando meu pai, Germano Fernando Friedrich, decidiu com a família, não mais continuar fabricando farinha. Por várias razões, sua fabricação havia se tornado anti-econômica, mas, principalmente, por se tratar de uma atividade, eminentemente familiar, não comportando mão de obra contratada e remunerada
Nota Especial:- irei referir-me, brevemente, sobre o aproveitamento do polvilho ou amido da mandioca.
Já se disse que a água da massa da mandioca ralada, depositada no cocho da massa é decantada, levando consigo muito amido/polvilho/fécula. Se esta água não for recolhida em recipientes adequados o amido se perde. No entanto, se existir mão de obra e cochos de madeira condizentes, a água é recolhida e o amido vai se depositando no fundo. Ao cabo de dois ou três dias a água é trocada, o polvilho é revolvido deixando-se escorrer novamente a sujeira. Assim se procede sistematicamente, até que o produto depositado esteja bem branco. É claro que serão necessários de dois a três cochos, para que se possa realizar um trabalho de qualidade e obter um polvilho puro, sem impurezas.
A água da prensa é adicionada à da massa, na medida em que for recolhida, porquanto, contem tanto, ou mais, amido do que a água da massa recém ralada.
Após conseguir uma camada de amido limpo e de consistência dura, procede-se à sua retirada dos cochos, aos pedaços, mediante o uso de uma faca. Daí se deverá expô-lo ao sol, até que esteja bem seco. Depois, usam-se peneiras de tela para esfarelar/destorroar os blocos secos, uniformizando o produto. Guarda-se em ambiente seco.

A MODO DE CONCLUSÃO
Com esta dissertação darei por encerrada minhas explicações elementares sobre o cultivo da mandioca, a fabricação de farinha de mandioca e o aproveitamento do amido ou polvilho. Minhas interpretações e assertivas baseiam-se na tradição oral que apreendi com meu pai, Germano. Ele tinha sido ator no processo, durante vários anos e tinha boa memória para relatar episódios passados. De minha própria experiência, durante três “farinhadas” na atafona da Fazenda Leão, em Sapiranga/RS, de 1953 à 1955, retirei muitos dos conhecimentos aqui expressos, permitindo desenhar um quadro bastante próximo da realidade de então.
Espero que este meu trabalho possa contribuir para um melhor entendimento do que é, e de como era o trabalho e a vida de nossos antepassados naquelas épocas, já longínquas...(aproximadamente, entre 1850 e 1918). Espero, também ter contribuído para o resgate e preservação de uma tecnologia (patrimônio imaterial), hoje em dia obsoleta, porém, seguramente, requintada para sua época, no Rio Grande do Sul, Brasil.
Elaborado em 20/04/2011
Odilo Antonio Friedrich
Casarão e Museu Friedrich
Estrada Germano Friedrich, nº 55
CEP- 93352-010
www.museufriedrich.com.br
Novo Hamburgo-RS

Um comentário:

  1. Miguel Feres para mim
    mostrar detalhes 13:10 (7 horas atrás)

    Odilo,

    Primeiro, estava preocupado com seu sumiço. Segundo, li e reli suas "memórias". Gostei muito e principalmente me lembrei do privilégio que tive de ter eswtado nesse casarão. Lembro-me ainda de detalhes dele.

    Abraços,

    Miguel

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